No auge do período ditatorial, a censura fazia os jornais da imprensa alternativa dançarem miudinho. Só para dar um exemplo: a edição n° 45 do jornal O Movimento, de maio de 1976, teve vetadas pela censura 283 das 305 laudas da matéria; 58 das 69 fotos também foram vetadas, assim como seis dos treze desenhos previstos.
Um massacre. Mas a imprensa da resistência não era presa fácil*. Insistia, denunciava, ia criando uma situação insustentável para a censura. E às vezes até conseguia inverter a música e era a censura que acabava dançando. Em julho de 1976, Movimento publicou um artigo especial sobre a história da Revolução Americana, quando os Estador Unidos comemoravam duzentos anos da independência. Foi um trabalho grande, que ocupou duas páginas do jornal, apesar de parcialmente censurado. Fazia parte da matéria um boxe com a declaração de Independência dos USA.
A Declaração, como todo mundo sabe, é um belo texto de cunho democrático, um convite a que os povos tomem seus destinos em suas próprias mãos. E tem aquela passagem famosa: "Mas quando uma longa série de abusos e usurpações perseguindo invariavelmente o mesmo objeto indica o desígnio de reduzi-los (os homens) ao despotismo absoluto, assiste-lhes o direito, bem como o dever, de abolir tais governos e instituir novos governos..."
Os censores entraram em pânico. Esse conceito subversivo não podia ser publicado. Mas como censurar parte de um texto histórico, ainda mais dos Estados Unidos? Depois de muita consulta aos níveis superiores (dizem que a questão chegou até ao ministro da Justiça da época, Armando Falcão), a decisão foi a censura total do texto.
Como sempre fazia, a direção do jornal enviou aos principais jornais do país e às agências internacionais de notícias um ofício relatando o ocorrido. Foi um escândalo. Toda a grande imprensa noticiou a censura feita e, ainda mais, publicou a declaração. O Estado de São Paulo de 11/07/1976 fez um editorial. Também no exterior a repercussão foi grande. O New York Times comentou. Paulo Francis, correspondente da Folha de S. Paulo nos USA, ouviu personalidades. O escritor Gore Vidal disse: "O governo brasileiro deve respeitar muito o povo. Nossa Declaração de Independência é altamente subversiva". O senador Frank Church comentou: "Dada a situação do Brasil, é perfeitamente compreensível a censura imposta pelo governo de Brasília, muito á caráter, eu diria".
Durante semanas prosseguiu a gozação sobre o regime dos generais brasileiros. O pequeno e bravo Movimento havia posto a ditadura em ridículo.
*Contrapondo-se à imprensa leal e domesticadora das massas da época que sobrevive até aos dias de hoje.
Azevedo, Carlos. Retrato do Brasil, Volume II. São Paulo
Ed. Política, 1984, pg. 468
Um massacre. Mas a imprensa da resistência não era presa fácil*. Insistia, denunciava, ia criando uma situação insustentável para a censura. E às vezes até conseguia inverter a música e era a censura que acabava dançando. Em julho de 1976, Movimento publicou um artigo especial sobre a história da Revolução Americana, quando os Estador Unidos comemoravam duzentos anos da independência. Foi um trabalho grande, que ocupou duas páginas do jornal, apesar de parcialmente censurado. Fazia parte da matéria um boxe com a declaração de Independência dos USA.
A Declaração, como todo mundo sabe, é um belo texto de cunho democrático, um convite a que os povos tomem seus destinos em suas próprias mãos. E tem aquela passagem famosa: "Mas quando uma longa série de abusos e usurpações perseguindo invariavelmente o mesmo objeto indica o desígnio de reduzi-los (os homens) ao despotismo absoluto, assiste-lhes o direito, bem como o dever, de abolir tais governos e instituir novos governos..."
Os censores entraram em pânico. Esse conceito subversivo não podia ser publicado. Mas como censurar parte de um texto histórico, ainda mais dos Estados Unidos? Depois de muita consulta aos níveis superiores (dizem que a questão chegou até ao ministro da Justiça da época, Armando Falcão), a decisão foi a censura total do texto.
Como sempre fazia, a direção do jornal enviou aos principais jornais do país e às agências internacionais de notícias um ofício relatando o ocorrido. Foi um escândalo. Toda a grande imprensa noticiou a censura feita e, ainda mais, publicou a declaração. O Estado de São Paulo de 11/07/1976 fez um editorial. Também no exterior a repercussão foi grande. O New York Times comentou. Paulo Francis, correspondente da Folha de S. Paulo nos USA, ouviu personalidades. O escritor Gore Vidal disse: "O governo brasileiro deve respeitar muito o povo. Nossa Declaração de Independência é altamente subversiva". O senador Frank Church comentou: "Dada a situação do Brasil, é perfeitamente compreensível a censura imposta pelo governo de Brasília, muito á caráter, eu diria".
Durante semanas prosseguiu a gozação sobre o regime dos generais brasileiros. O pequeno e bravo Movimento havia posto a ditadura em ridículo.
*Contrapondo-se à imprensa leal e domesticadora das massas da época que sobrevive até aos dias de hoje.
Azevedo, Carlos. Retrato do Brasil, Volume II. São Paulo
Ed. Política, 1984, pg. 468